quinta-feira, 16 de maio de 2013

É... eu sou mesmo um chato

O texto que apresento logo abaixo foi publicado no Jornal de Letras, nº 158.
Geralmente costumo exibir esses textos acompanhados das páginas digitalizadas para ilustrar melhor a postagem. Acontece, que descobri que não possuo a citada edição. Portanto, por enquanto, fiquem somente com o texto, que é o que realmente interessa.
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Como costuma dizer o Adelzon...
Desde que eu me conheço por gente carrego comigo um radinho de pilhas. Desde menino herdei de meu avô paterno o hábito de ouvir rádio, especialmente as AMs.
No Rio de Janeiro, sempre que a insônia ou a necessidade me obriga a ficar acordado, eu acompanho o radialista Adelzon Alves, conhecido como o “Amigo da Madrugada”. Adelzon atuou por muitos anos na Rádio Globo, depois, transferiu-se para a Rádio Nacional, onde está até hoje. Entre as muitas frases que Adelzon costuma usar para defender suas idéias sobre a cultura brasileira, a que mais me agrada é a que nosso país sofre daquilo que ele chama de “síndrome de vira-lata”, que significa dizer que nosso país elege o que vem de fora como o melhor, o ideal, o the best (olha eu aí não deixando o Adelzon mentir).
Em 2010, durante a realização da Rio Comicon, feira de quadrinhos que aconteceu na Estação Leopoldina, eu estava num ônibus a caminho do Centro da Cidade. Sentados a minha frente dois jovens conversavam animadamente enquanto davam demonstrações de ansiedade, doidos para chegar a tal feira e perseguir seus ídolos a busca de autógrafos. Um deles abriu o cartaz do evento e passou a fazer comentários elogiosos ao autor do desenho que ilustrava o impresso, no caso Milo Manara, desenhista e ilustrador italiano que foi a atração naquele evento. O cartaz apresentava uma bela e sensual morena de roupas curtíssimas, com braços abertos sobre a Guanabara, numa clara alusão ao Cristo Redentor, nosso mais popular monumento. “Só mesmo um gênio como Manara poderia ter tido uma idéia dessas!”, disse o rapaz que segurava o cartaz. Eu ouvi a bobagem e fiquei na minha, com a língua coçando doido para informar a dupla que gênio por gênio, um brasileiro chegou primeiro, pelo menos 27 anos antes.
Acontece que em 1984, quando do centenário do caricaturista J. Carlos, o saudoso Jorge de Salles organizou uma das mais interessantes exposições de humor gráfico já exibidas no Rio de Janeiro. Salles reuniu um timaço de caricaturistas para desenhar em homenagem a J. Carlos, e o que se viu foram 20 desenhos assinados por artistas do quilate de Alvarus, Borjalo, Caulos, Chico Caruso, Fortuna, Jaguar, Juarez Machado, Lan, Mendez, Miguel Paiva, Nássara, Paulo Caruso, Zélio, Ziraldo e Millôr Fernandes. Este último trouxe para seu desenho a famosa figura da melindrosa, muitas vezes presente na obra de J. Carlos, e colocou-a de braços abertos no lugar do Cristo Redentor adornada pela imagem do Pão de Açúcar. A idéia do genial Millôr foi justamente mostrar que a obra de J. Carlos e sua consagrada melindrosa trazem a marca de um Rio de Janeiro inesquecível, “de uma época amável”, conforme afirmou o próprio Millôr ao apresentar seu desenho.
A obra de Milo Manara é, obviamente, fantástica e indiscutível, mas a mania que nossos eventos internacionais têm de supervalorizarem os artistas que vem de fora, provoca esse tipo de situação. A ignorância dos dois jovens tecendo elogios rasgados ao desenhista italiano, como se a ótima ideia fosse novidade é plenamente compreensível, mas me irritam bastante a indiferença e desconhecimento dos organizadores ao “esquecerem” que a tal idéia genial era velha e requentada. Mas é aquilo, mesmo que algum dos organizadores lembrasse do desenho do Millôr será que iria dizer ao Manara que aquilo não era novo? Talvez tenham apostado na amnésica memória da nossa cultura e pagado pra ver. Afinal, quem se lembraria do desenho do Millôr numa feira de quadrinhos? Só mesmo um chato como eu.

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